Demasiado bugados
Há uns tempos, o meu filho de 11 anos estava com um ar um bocado sofrido e exclamou “Os meus testículos têm andado demasiado bugados para mim.” Não sei o que me perturbou mais, se foi ele estar aflito daquele sítio em particular ou se foi a escolha de palavras.
Pelos vistos, os testículos desbugaram naturalmente, porque o problema passou. Mas as palavras ficaram-me. Já o tinha ouvido dizer frases como “O rato ‘tá todo bugado!”, o que num contexto informático não estranhei. Mas esta aplicação do verbo “bugar” a outras realidades apanhou-me desprevenido. Especialmente porque ele disse aquilo com grande naturalidade, como se fizesse parte do jargão médico e um urologista pudesse dizer a um paciente: “Os seus testículos andam demasiado bugados para mim.” “E agora, doutor?” “Agora tem de ser operado. Senão ainda temos de deletá-los.”
A versatilidade de “bugar” é tal que até se pode usar em fados clássicos:
Quando eu tinha a idade dele, talvez usasse a palavra “marado” em vez de “bugado”. Não sei se diria “Os meus testículos têm andado demasiado marados para mim.” Mas, quem sabe, num dia de forte inspiração talvez acontecesse. No entanto, a forma mais habitual de usar a palavra “marado” era com a partícula composta “dos cornos”, formando a nobre expressão “marado dos cornos” ou “marada dos cornos”, que por sua vez se usava em importantes diálogos como: «Parece que a stôra de inglês teve um esgotamento.» «Como assim?» «’Tá marada dos cornos.» «Ah!». Mas isso já lá vai. Bons tempos. Actualmente, “marado” está morto e enterrado no círculo de pessoas à minha volta.
Já um termo que se tem aguentado muito bem é o “pá”. É verdade que não é a forma de tratamento da moda, o meu filho na sua fase juvenil é mais adepto do “mano” (“Como é que é, mano?”, ouço-o dizer, ou então “meu puto”), mas de vez em quando lá sai um “pá”. Especialmente porque o “pá” foi esperto e fundiu-se com o “eh” e com o “ó”, criando as famosas moléculas “eh pá” e “ó pá”, dois dos maiores sucessos da língua portuguesa. Pelo contrário, “bacano” ou “chavalo”, e respectivas derivações como “chavalinho” ou “chavaleco”, não tiveram a mesma capacidade de se ligar a outras palavras e acabaram rejeitados pela selecção natural do calão. Já pouca gente usa “bacano” ou “chavalo”, a não ser pessoas como eu, que já estão com um pé para a cova. No outro dia saiu-me um “bacano” no meio duma conversa e senti que foi arriscado. Devia ter olhado muito bem para os dois lados antes de usar aquela palavra. Por pouco não levei com uma camionete de chacota em cima.
“Meu” também já teve melhores dias. É uma forma de tratamento da minha geração e arredores, juntamente com a versão inglesa “man”. E teve um pico de visibilidade na fase em que metade das comédias americanas eram traduzidas com títulos acabados em “meu”, como “Grande Moca, Meu!” ou “Estás Frito, Meu!”. Na altura até tive pena que esta fórmula dos títulos não se aplicasse a filmes mais clássicos, como “Estás na Lista Schindler, Meu!” ou “África, Minha!”. Só que entretanto a palavra passou de moda, meu! E agora, se dependesse de uma pessoa que eu cá sei, uma comédia pipoqueira de Hollywood chamar-se-ia qualquer coisa como “Estás Todo Bugado, Mano!”