O tema inescapável
Hoje em dia há uma overdose de textos sobre parentalidade. Parece que qualquer gato-pingado que é pai ou mãe e tem acesso a qualquer tipo de meio de comunicação, nem que seja uma rádio de onda curta ou um papiro, quer falar sobre a sua experiência progenitora. E é isso que eu também vou fazer.
E faço-o, acima de tudo, porque agora há a moda de contar a experiência da parentalidade de uma perspectiva negativa, com umas graçolas pelo meio. E eu quero resgatar a beleza que o fenómeno encerra. Por isso dou o meu testemunho como pai. Para mim, ser pai, é como uma morte por afogamento.
No primeiro filho esperneei. Não estava minimamente habituado a abdicar do meu tempo e ainda tinha margem para me debater. A cabeça ainda vinha à tona. O meu filho é que se tramou, que levou com o meu mau humor em cima: “Quando é que te aprendes a sentar? Já tens quase 100 dias de vida, caramba! Sempre a babar... Vai ler um livro!” Mas com o segundo filho é o afundamento completo. Não há qualquer hipótese de voltar à tona. E o esbracejar é inútil. Somos completamente esmagados, submersos, inundados de tarefas e cuidados vários.
E depois, surpreendentemente, tal como num afogamento, parece que há uma transição para uma sensação agradável, de quem parece que até já respira dentro de água. E é assim que sinto ser pai. É nesse ponto que me encontro. Há algo que se perdeu. Há algo que continua a esbracejar dentro do meu cérebro (possivelmente o meu outro eu, que ainda tem esperança de ser reanimado). Mas de repente nada disso interessa. Porque ali é que se está bem, debaixo de água. Começamos a respirar aquele novo ambiente e de repente, uma fralda que se mudava em regime de frete, já se faz de bom grado. Até dá gozo estar ali com o bebé, apesar de se estar a chafurdar em cocó. É muito estranho. Dar de comer é que continua a ser uma g’anda seca. Essa parte ficou bastante à tona.
Mas talvez este fenómeno de ambientação parental ocorra porque penso “é o último bebé que vou ter”. E de estar bem convicto disso. Ou então é pura auto-lavagem cerebral. E vive-se muito bem com isso. Seja como for, para esta coisa de ser pai ser feita de forma tranquila devia-se fazer como no mergulho profissional. E termino já a minha analogia aquática. Devia haver uma câmara de compressão. Uma câmara de compressão 1 para o primeiro filho. E uma câmara de compressão 2 para o segundo. Há quem diga que a partir do terceiro já é indiferente, e eu acredito, porque de qualquer forma já estamos afogados em parentalidade.
Uma coisa é certa, com o segundo filho acabam-se as gordurinhas de tempo. É tudo músculo na agenda diária. Literalmente músculo. Aquele pessoal que está a pensar emagrecer antes da praia esqueça a dieta dos 31 dias ou do raio que o parta. Adoptem já um par de crianças. Se por acaso não vos cederem as crianças, por qualquer razão idiota, deitem mãos a duas crianças quaisquer; que tenham entre 0 a 3 anos. De um amigo ou de um familiar, e perfilhem-nas. Provavelmente é um favor que fazem a essa pessoa. E vão ver que antes do Verão estão no ponto. Dica: Se puderem ser crianças obesas, tanto melhor, porque os resultados serão ainda mais notórios. Mas fica ao vosso critério. No fundo é como escolher halteres no ginásio. Se acham que conseguem embalar 15 kg, força!
O facto é que ter filhos é uma presença esmagadora na existência de alguém. Aliás, vou ser mais claro, ser pai, pelo menos no meu caso, esmaga a minha existência. A tal ponto que, por vezes, a perspectiva de servir como escravo numa plantação de algodão, com comida e uma noite de sono garantida, nem parece assim tão má. Só me resta uma solução, à qual me resigno, apesar da overdose de textos reinante, a vingança num papiro.
(http://lifestyle.publico.pt/vidaemgrandeestilo/336063_o-tema-inescapavel)