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Gonçalves

Coisas d'Albânia

Estive na Albânia e há coisas importantes que posso dizer do país. A saber:

1. Os napperons ainda estão muito fortes na Albânia.

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2. Os texugos já estiveram mais fortes na Albânia.

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Porque este pobre moço (ou moça – não averiguei) já era. Tenho de confessar que, ao princípio, fiquei muito entusiasmado de ver o texugo morto à beira da estrada, porque, apesar de ter feito um curso de biologia que incluiu saídas de campo nocturnas para ver bicharada, nunca tinha visto este animal de tão perto. O máximo que consegui ver nessas sortidas foi uma silhueta e uma cauda de possível texugo selvagem a desaparecerem na vegetação. Por isso, mal parei o carro disse aos meus filhos, quase eufórico de felicidade, “Querem ver um texugo? Venham!” Mas não sei porque é que disse isso, uma vez que ver o animal quinado teve bastante mais de deprimente do que de fascinante. Sou um excelente exemplo parental, disso não há dúvida.

 

3. Há pessoas que deixam partes de cima de carros à beira da estrada. E não sou eu.

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À primeira vista, pareceu-me um carro semi-enterrado.

Se calhar, é uma instalação artística.

 

4. Há pessoas de apelido Caca na Albânia.

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Em todos os países há apelidos ou nomes que soam de forma infeliz noutra língua qualquer. Pelo menos um dos meus apelidos deve querer dizer “cocó”, “pila” ou “napperon” noutra língua. Em Gjirokaster, na Albânia, encontrei toda uma secção de rua pertencente à família Caca. A Andrea Caca tem uma escola de condução e a Enkela Caca tem um escritório não se percebe bem de quê. Possivelmente, nem a própria sabe. Por coincidência, foi mesmo em frente aos escritórios Caca que fiquei com o carro alugado todo porco, porque tive a excelente ideia de o deixar debaixo de uma árvore. Adivinhem o que é que os pombos lá deixaram. Eu sei, piada previsível. Mas aconteceu mesmo, como se pode ver:

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5. A água das praias é muito quentinha.

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Aqui, ao contrário das águas gélidas da nossa costa continental, somos nós que decidimos quando é que saímos do mar e não é o mar que nos expulsa pelo frio. Toma e embrulha, Oceano Atlântico!

 

6. Há vacas que viajam na caixa aberta de camionetas ao pôr-do-sol.

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Se calhar não se vê bem, mas é uma vaca que ali vai. Num primeiro instante achei quase poético, uma vaca sozinha na caixa aberta, como se fosse alguém a curtir a liberdade na parte de trás da carripana dum amigo, a apanhar um ventinho na fronha enquanto contempla a paisagem. Depois lembrei-me que as vacas não costumam ter polegares para se agarrarem a coisas e vi-a presa por correntes, insegura e bamboleante na traseira da camioneta, o que tirou bastante da poesia.

PS: Noto um certo padrão nestas minhas considerações sobre animais (vide texugo), que começam com um entusiasmo parvo e acabam em mágoa culposa e desolação (na foto dá para ver também que o vidro do carro está cagado, cortesia dos pombos do escritório Caca).

 

7. Por aqui, Jesus e Maomé dão-se muito bem, aparentemente.

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Este garboso Jesus à direita está à porta de uma igreja, mesmo ao lado daquela mesquita à esquerda. Vimos pelo menos mais um sítio em que igreja e mesquita estavam lado a lado, como Paul McCartney dizia que ébano e marfim conviviam alegremente no mesmo piano – foi aqui, na cidade de Berat:

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Pelos vistos, é prática comum neste país ter igrejas ao pé de mesquitas, às vezes com igreja católica, igreja ortodoxa e mesquita concentradas no mesmo redondel. Não sei se o sentimento que preside a esta relação de vizinhança entre mesquitas e igrejas é inteiramente ecuménico ou se também é para não ficarem umas atrás das outras: “Ai é, puseste aí uma mesquita? Então, já vais ver!” E vice-versa. Mas que dá bom aspecto, dá. Deus/Alá os abençoe.

 

8. Em termos estritamente arquitectónicos, o centro de Tirana parece uma mistura de bairro social com Parque das Nações.

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No meio da turba de prédios relativamente baixos, e com visíveis sinais de degradação, erguem-se bisarmas resplandecentes de arquitectura moderna, como este nosso amigo vestido de lantejoulas.

 

9. Encontrei dois escritores portugueses numa das principais livrarias de Tirana.

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Eça de Queirós tem direito a nome completo, o que soa mais pomposo. Faz lembrar aquelas pessoas, também elas mais pomposas, que à pergunta “Já leu Eça de Queirós?” respondem “Claro que sim, conheço muito bem a obra de José Maria Eça de Queirós.” Pessoas que, por incrível que pareça, não estão assim tão distantes em termos de pomposidade daquelas que dizem apenas “o Eça”, numa de tu cá tu lá com o escritor, como se quisessem esfregar-se de forma carnal no homem do monóculo.

 

10. Os pequenos-almoços misturam fruta e fritos.

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O pequeno-almoço albanês é bonito, generoso e variado. Pelo menos a avaliar pelos que nos ofereceram. Para compensar a variedade de frutas e legumes (tomate, pepino, melão, melancia*), à turca, toma lá fritos pela fresca, à espanhola. E soube que nem ginjas.

Também tivemos direito a ovos estrelados, à inglesa. Leite e torradas à portuguesa é que nem vê-los. E foi difícil explicar aos anfitriões que queríamos mais leite, porque eles não percebiam o conceito de beber leite ao pequeno-almoço. Claramente achavam que o jarrinho anão e ridículo de leite que nos trouxeram era mais que suficiente para as nossas precisões. A importância dada ao leite matinal traça uma nítida fronteira cultural entre os nossos povos.

* Os mais cientificamente rigorosos dirão que isto são tudo frutos (o que inclusive é diferente do termo “frutas”). Mas os mais cientificamente rigorosos conseguem ser pessoas chatas.

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