Cabeça de Burro ou Caves da Porca?
Esta vida é cheia de escolhas difíceis. Sendo que a pior de todas é escolher vinho.
Quando me deparo com a secção de vinhos do supermercado geralmente a primeira coisa que faço é: entrar em pânico. Entro em pânico. Começo a respirar mal. “Ai ai, ai ai, não sei, não consigo escolher. Isto é difícil. É tão difícil. Há tanto por onde escolher. Tantos preços, tantas regiões, tantos rótulos. Abençoados os que não têm de escolher vinho. E agora? Já sei, vou escolher o que tiver o nome mais estúpido. Ora bem, Caves da Porca, Cabeça de Burro, Inês Negra, Colheita do Sócio ou Quinta do Panascal? Caramba, tantos nomes estúpidos. Até para isso há múltiplas escolhas.”
Mas infelizmente não é só para vinhos que a escolha é infindável. É para latas de atum, opções de vida familiar, pomadas para o rabo do bebé, cursos de culinária na óptica do utilizador, pregos gourmet, canais com comentadores desportivos... Chovem comentadores desportivos! Cada vez que olho para o parapeito de uma janela vejo um pombo e um comentador desportivo.
Hoje em dia, há tantas opções, para tanta coisa, que a pessoa acorda de manhã com tremuras só de pensar na quantidade de escolhas que terá de fazer ao longo do dia. Antes do 25 de Abril, os empregos, por exemplo, eram para a vida. Uma vez serralheiro, para sempre serralheiro; uma vez ditador, para sempre ditador. E agora de repente dizem-nos que podemos mudar de vida. Aos 30, aos 40, aos 80 anos. Com 100 anos ainda posso tirar design gráfico e ir viver para a Chamusca. Dizem-me: “Muda de vida se não estiveres satisfeito!” Como posso estar satisfeito se estou sempre a mudar de vida?
Mais vale o 80 que o 8, certamente. Mas se calhar 80 devia ser mesmo o limite de escolha. Quando me oferecem um pacote de 500 canais de televisão, eu não sei processar essa informação. Não estou preparado para isso. Quando era pequeno, a grande escolha com que era confrontado era o programa “Agora escolha”, que me deixava nervoso só de pensar que tinha de abdicar dos Três Duques para ver o Justiceiro. Talvez por isso sofra do chamado “fenómeno de restaurante chinês”: perante tantos pratos, entro em tilt, como os flippers, e acabo sempre a escolher chop-suey de galinha.
Se calhar, se tivesse usado daqueles after-shaves cujos anúncios diziam “Para o homem que sabe o que quer”, certamente hoje teria a vida muito mais resolvida. Podia ser que a determinação se me infiltrasse pelos poros das bochechas.
Uma coisa é certa, nunca como hoje foi necessário ser determinado. As pessoas do futuro não são as inteligentes, talentosas, empreendedoras, adaptativas. São, acima de tudo, as pessoas determinadas. Que quando nascem já sabem que papa querem comer. A primeira palavra é “Nestum”. Quando lhes perguntam o que querem ser quando forem grandes dizem “Comentador desportivo”, com a certeza de quem já traçou um plano para a vida.
Eu já serei um caso perdido, mas deixo o meu conselho aos pais dos mais pequerruchos: Em vez de investirem em testes psicotécnicos da treta, ponham as crianças a ver o “Karate Kid” e a concentrarem-se em moscas. Porque a coisa que elas mais vão precisar na vida é de foco e concentração. Quando mais não seja para afirmarem alto e bom som: “Quero um Caves da Porca!”
(http://lifestyle.publico.pt/pontalingua/336930_cabeca-de-burro-ou-caves-da-porca)