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Gonçalves

Cabeça de Burro ou Caves da Porca?

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Esta vida é cheia de escolhas difíceis. Sendo que a pior de todas é escolher vinho.

 

Quando me deparo com a secção de vinhos do supermercado geralmente a primeira coisa que faço é: entrar em pânico. Entro em pânico. Começo a respirar mal. “Ai ai, ai ai, não sei, não consigo escolher. Isto é difícil. É tão difícil. Há tanto por onde escolher. Tantos preços, tantas regiões, tantos rótulos. Abençoados os que não têm de escolher vinho. E agora? Já sei, vou escolher o que tiver o nome mais estúpido. Ora bem, Caves da Porca, Cabeça de Burro, Inês Negra, Colheita do Sócio ou Quinta do Panascal? Caramba, tantos nomes estúpidos. Até para isso há múltiplas escolhas.”

 

Mas infelizmente não é só para vinhos que a escolha é infindável. É para latas de atum, opções de vida familiar, pomadas para o rabo do bebé, cursos de culinária na óptica do utilizador, pregos gourmet, canais com comentadores desportivos... Chovem comentadores desportivos! Cada vez que olho para o parapeito de uma janela vejo um pombo e um comentador desportivo.

 

Hoje em dia, há tantas opções, para tanta coisa, que a pessoa acorda de manhã com tremuras só de pensar na quantidade de escolhas que terá de fazer ao longo do dia. Antes do 25 de Abril, os empregos, por exemplo, eram para a vida. Uma vez serralheiro, para sempre serralheiro; uma vez ditador, para sempre ditador. E agora de repente dizem-nos que podemos mudar de vida. Aos 30, aos 40, aos 80 anos. Com 100 anos ainda posso tirar design gráfico e ir viver para a Chamusca. Dizem-me: “Muda de vida se não estiveres satisfeito!” Como posso estar satisfeito se estou sempre a mudar de vida?

 

Mais vale o 80 que o 8, certamente. Mas se calhar 80 devia ser mesmo o limite de escolha. Quando me oferecem um pacote de 500 canais de televisão, eu não sei processar essa informação. Não estou preparado para isso. Quando era pequeno, a grande escolha com que era confrontado era o programa “Agora escolha”, que me deixava nervoso só de pensar que tinha de abdicar dos Três Duques para ver o Justiceiro. Talvez por isso sofra do chamado “fenómeno de restaurante chinês”: perante tantos pratos, entro em tilt, como os flippers, e acabo sempre a escolher chop-suey de galinha.

 

Se calhar, se tivesse usado daqueles after-shaves cujos anúncios diziam “Para o homem que sabe o que quer”, certamente hoje teria a vida muito mais resolvida. Podia ser que a determinação se me infiltrasse pelos poros das bochechas.

 

Uma coisa é certa, nunca como hoje foi necessário ser determinado. As pessoas do futuro não são as inteligentes, talentosas, empreendedoras, adaptativas. São, acima de tudo, as pessoas determinadas. Que quando nascem já sabem que papa querem comer. A primeira palavra é “Nestum”. Quando lhes perguntam o que querem ser quando forem grandes dizem “Comentador desportivo”, com a certeza de quem já traçou um plano para a vida.

 

Eu já serei um caso perdido, mas deixo o meu conselho aos pais dos mais pequerruchos: Em vez de investirem em testes psicotécnicos da treta, ponham as crianças a ver o “Karate Kid” e a concentrarem-se em moscas. Porque a coisa que elas mais vão precisar na vida é de foco e concentração. Quando mais não seja para afirmarem alto e bom som: “Quero um Caves da Porca!”

(http://lifestyle.publico.pt/pontalingua/336930_cabeca-de-burro-ou-caves-da-porca)

Facebook dos países

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Gosto muito do Facebook. Sobretudo para bisbilhotar a vida dos outros. Gosto, por exemplo, daquelas pessoas que me aparecem no news feed, ou lá como se diz, em pleno horário de expediente de um dia útil, a dizer: “não-sei-quantos ou não-sei-quantas completou nível 67 de Bubble Witch Saga.” Gabo a coragem destes resistentes em época de empreendedorismo. Em que parece que quem não empreende merece um apedrejamento imediato com sacas de cimento. Por isso desde já o meu forte abraço a todos os que completam níveis de Bubble Witch Saga ou de outros jogos com nomes estúpidos.

 

No entanto, se para bisbilhotar pessoas o Facebook é imbatível, em matéria de coscuvilhice entre países ainda deixa bastante a desejar. Eu sou da opinião que devia haver um Facebook especial para países, para eles comunicarem entre si, com espontaneidade e alegria.

 

De modo a que pudéssemos ir à página do Irão, por exemplo, e ver posts como: “Hoje apetece-me enriquecer urânio”. Posts bem-dispostos, onde pudéssemos pôr o nosso Gosto.

 

E convinha que no Facebook dos países desse para ter inimigos e outras opções específicas. Porque quando George W. Bush definiu o “Eixo do Mal”, por exemplo, seria bom que houvesse um pedido de inimizade, para que as coisas ficassem claras. No caso da Coreia do Norte, a sequência seria esta:

“EUA fizeram-te um pedido de inimizade”

“Coreia do Norte aceita pedido de inimizade.”

“EUA gostam disto”.

 

Nesse Facebook as nações podiam criar eventos, para as quais convidavam amigos e inimigos. Se Hitler tivesse isto em 1939, a II Guerra Mundial seria algo do género:

«Criar evento “II Guerra Mundial”, por Führer.

Alemanha criou evento “II Guerra Mundial.”

Alemanha convida 30 amigos e 80 inimigos.

27 países vão ao evento. Portugal, Espanha e Suíça não vão. EUA talvez.»

 

Numa linguagem facebookiana e contemporânea, a mensagem do Führer para convidar os países a participar na II Guerra Mundial podia ser algo como:

“Heil pessoal,

Estou a pensar invadir a Polónia e, quiçá, mais uns 30 ou 40 países – eventualmente o vosso! Lol! – e queria convidar-vos a participar.

Vai ser divertido, vai haver muitos tiros, muita bazucada, campos de extermínio, palmiers cobertos, DJ Vibe, bombas atómicas... Muita animação!

Vai lá estar o people todo.

Não faltem!

E não se esqueçam, tragam Panzers! Lolada!!

Bjs,

Adolfo (ou Rodolfo para os amigos ;-)))))”

Itália, Japão e Mário Machado gostam disto

 

Quem sabe se um Facebook desses não teria mesmo o poder de agitar a cena internacional, gerando notícias como:

“Já é a segunda vez no espaço de um mês que o Reino Unido rejeita um convite da Comissão Europeia para jogar Farmville, o que está a gerar grande mal-estar no seio da União.”

 

Dias haverá em que a amizade entre nações se decidirá por um simples convite para participar num jogo ou num quiz no Facebook. Não me custa acreditar nisso. O Facebook tem potencial para ser o Simplex da diplomacia. Muita coisa se poderá resolver com um clique. Poderá inclusive ser decisivo no processo de paz israelo-palestiniano. Porque importantes passos serão dados se Israel convidar os palestinianos a fazer o quiz «Que tipo de bolo és tu?» ou algo do género. E se a Palestina aceitar, vão seguir-se certamente vários comentários das mais altas instâncias internacionais a dizer “Parabéns!” ou “Lol!”

(http://lifestyle.publico.pt/pontalingua/336231_facebook-dos-paises)

Carta aberta ao tipo que compra todo o tipo de carros

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 Vou passar a pôr o seguinte aviso no carro:

ATENÇÃO

TIPO QUE COMPRA TODO O TIPO DE CARROS,

PARECES REALMENTE DESESPERADO POR COMPRAR UM CARRO. MAS TEM CALMA. EU VOU-TE AJUDAR.

A primeira coisa que tens a fazer é desenvolver um critério. Em vez de andares a depositar panfletos com imagens de carros de alta cilindrada numa carrinha de caixa aberta ou num Fiat Ritmo de 1912, pensa primeiro o que queres para a tua vida.

 

Depois peço-te para não pores este tipo de panfleto no meu carro, porque ele é extremamente sensível e fica um bocado alarmado com estas mensagens. Como te dizer, ele que se considerava um automóvel forte, vigoroso e valorizado, apesar de ser em segunda mão, quando vê frases como “Não aguarde pela recolha da fiscalização municipal” ou “COMPRO mesmo para abate”, sente-se de repente a zebra coxa da savana. Por isso, tem lá calma com o que escreves.

 

Eu percebo as tuas ânsias, eu quando saio à rua também acho que há uma série de raparigas interessantes, com quem não me importava de confraternizar intimamente. Mas ainda não me ocorreu entregar-lhes um papel a dizer: “ATENÇÃO: Durmo com todo o tipo de raparigas. Com ou sem avarias, vesgas, coxas ou mesmo para abate”.

 

Eu sei que és uma pessoa distinta e que, à excepção de um ou outro pormenor, até colocas as coisas de forma bastante elegante. Aliás, gosto da forma singela como logo à partida te apresentas. Geralmente com um simples Sr. Paulo ou Sr. Miguel, como neste caso, que chega e sobeja para que depositemos em ti toda a confiança.

 

E fico contente que tenhas prosperado ao ponto de abrires o teu próprio negócio. Mas com pena que lhe tenhas chamado “Auto-Miguel” e não “Auto-Sr. Miguel”, que penso que teria outra credibilidade. E assim não capitalizas o vasto crédito e reconhecimento que o teu nome já granjeou junto de milhões de portugueses.

 

Confesso-te é que agora já começo a ficar um pouco enjoado destas letras rosa choque, por isso vou mudar novamente para preto. Bolas, que até já estava a ficar vesgo. De qualquer forma, não te preocupes, que assim que o meu carro estiver pronto para abate dou-te uma apitadela. Aliás, é o que vou dizer daqui para a frente às raparigas: “se por acaso notares algum sinal de avaria ou achares que estás pronta para abate, diz qualquer coisa. Eu desloco-me ao local.”

(http://lifestyle.publico.pt/pontalingua/336107_carta-aberta-ao-tipo-que-compra-todo-o-tipo-de-carros)

O tema inescapável

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Hoje em dia há uma overdose de textos sobre parentalidade. Parece que qualquer gato-pingado que é pai ou mãe e tem acesso a qualquer tipo de meio de comunicação, nem que seja uma rádio de onda curta ou um papiro, quer falar sobre a sua experiência progenitora. E é isso que eu também vou fazer.

 

E faço-o, acima de tudo, porque agora há a moda de contar a experiência da parentalidade de uma perspectiva negativa, com umas graçolas pelo meio. E eu quero resgatar a beleza que o fenómeno encerra. Por isso dou o meu testemunho como pai. Para mim, ser pai, é como uma morte por afogamento.

 

No primeiro filho esperneei. Não estava minimamente habituado a abdicar do meu tempo e ainda tinha margem para me debater. A cabeça ainda vinha à tona. O meu filho é que se tramou, que levou com o meu mau humor em cima: “Quando é que te aprendes a sentar? Já tens quase 100 dias de vida, caramba! Sempre a babar... Vai ler um livro!” Mas com o segundo filho é o afundamento completo. Não há qualquer hipótese de voltar à tona. E o esbracejar é inútil. Somos completamente esmagados, submersos, inundados de tarefas e cuidados vários.

 

E depois, surpreendentemente, tal como num afogamento, parece que há uma transição para uma sensação agradável, de quem parece que até já respira dentro de água. E é assim que sinto ser pai. É nesse ponto que me encontro. Há algo que se perdeu. Há algo que continua a esbracejar dentro do meu cérebro (possivelmente o meu outro eu, que ainda tem esperança de ser reanimado). Mas de repente nada disso interessa. Porque ali é que se está bem, debaixo de água. Começamos a respirar aquele novo ambiente e de repente, uma fralda que se mudava em regime de frete, já se faz de bom grado. Até dá gozo estar ali com o bebé, apesar de se estar a chafurdar em cocó. É muito estranho. Dar de comer é que continua a ser uma g’anda seca. Essa parte ficou bastante à tona.

 

Mas talvez este fenómeno de ambientação parental ocorra porque penso “é o último bebé que vou ter”. E de estar bem convicto disso. Ou então é pura auto-lavagem cerebral. E vive-se muito bem com isso. Seja como for, para esta coisa de ser pai ser feita de forma tranquila devia-se fazer como no mergulho profissional. E termino já a minha analogia aquática. Devia haver uma câmara de compressão. Uma câmara de compressão 1 para o primeiro filho. E uma câmara de compressão 2 para o segundo. Há quem diga que a partir do terceiro já é indiferente, e eu acredito, porque de qualquer forma já estamos afogados em parentalidade.

 

Uma coisa é certa, com o segundo filho acabam-se as gordurinhas de tempo. É tudo músculo na agenda diária. Literalmente músculo. Aquele pessoal que está a pensar emagrecer antes da praia esqueça a dieta dos 31 dias ou do raio que o parta. Adoptem já um par de crianças. Se por acaso não vos cederem as crianças, por qualquer razão idiota, deitem mãos a duas crianças quaisquer; que tenham entre 0 a 3 anos. De um amigo ou de um familiar, e perfilhem-nas. Provavelmente é um favor que fazem a essa pessoa. E vão ver que antes do Verão estão no ponto. Dica: Se puderem ser crianças obesas, tanto melhor, porque os resultados serão ainda mais notórios. Mas fica ao vosso critério. No fundo é como escolher halteres no ginásio. Se acham que conseguem embalar 15 kg, força!

 

O facto é que ter filhos é uma presença esmagadora na existência de alguém. Aliás, vou ser mais claro, ser pai, pelo menos no meu caso, esmaga a minha existência. A tal ponto que, por vezes, a perspectiva de servir como escravo numa plantação de algodão, com comida e uma noite de sono garantida, nem parece assim tão má. Só me resta uma solução, à qual me resigno, apesar da overdose de textos reinante, a vingança num papiro.

(http://lifestyle.publico.pt/vidaemgrandeestilo/336063_o-tema-inescapavel)

Aprender um instrumento

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Ouço dizer que para as crianças é muito importante aprenderem um instrumento.

E é verdade. Eu, por exemplo, sei tocar piano desde os 7 anos. E tem sido muito importante ao longo da minha vida, porque tenho a certeza que sem isso não seria tão rápido a escrever no computador. Todas aquelas escalas e arpejos deram-me uma destreza de mãos de fazer inveja a um polvo dactilógrafo.

 

Nunca mais toquei na vida, mas para teclar reconheço que dá um jeitaço. Às vezes estou a teclar freneticamente no computador e sinto-me o Maestro Vitorino de Almeida ao piano. Gosto especialmente de carregar com força no “Space”. É aquele pequeno intervalo de libertação e loucura. E depois vem o “Enter”, que é a conclusão. É como que a última nota de uma peça. Carrego no “Enter” e parece que ouço palmas. Ou então é a minha mulher a chamar-me para a mesa, para dar de comer a crianças.

 

Mas há pessoas que foram ainda mais longe do que eu. E desenvolveram vários talentos. Porque, além da destreza de mãos, sabem mesmo tocar piano. E isso permite-lhes naturalmente sonhar com outros voos e almejar tocar em grandes salas, como o Atrium Saldanha, em Lisboa. Sempre que vou àquele centro comercial vejo como as pessoas se emocionam com o pianista que anima o espaço, enquanto rebentam uma sandes de atum ou estraçalham uma hamburga. E penso: “Ora aí está o biscate de sonho.”

 

Sim, porque nos nossos dias, por mais que a arte nos toque, temos de ter sempre o radar-biscate ligado. Ou não fôssemos a geração biscate. Onde quer que o biscate espreite, nós estamos lá. Aliás, eu acho que devia haver o alerta-biscate. Sempre que houvesse um biscate era projectado um sinal nos céus, como o Batsinal do Batman, para nos avisar. Também proponho, embora isto não seja tão realista, que ao centro de emprego se acrescente o centro de biscates. “Quais são as suas habilitações?” “Sou licenciado em arquitectura, em sociologia e toco corneta.” “Tenho o biscate ideal para si.” Um conselho de amigo: Se à corneta puder acrescentar a decoração de bolos, ainda melhor. Temo que o texto não esteja moralista o suficiente, por isso vou dar-lhe gás. A verdade é que o tempo dos monotalentos já lá vai. Hoje em dia há que ter múltiplos talentos. Porque pode ser que algum acerte. O futuro é a LeonardoDaVincização da sociedade. Primeiro foram os champôs 2 em 1, depois o Kinder Surpresa 3 em 1 e hoje em dia são as pessoas não-sei-quantos em 1. O que se quer são homens e mulheres do renascimento preparados para o biscate.

 

Por isso é que nunca foi tão premente aprender um instrumento. Porque é um dos maiores desenvolvedores de aptidões e talentos. E de pequenino se torce o pifarinho. Eu, por mais que a minha querida professora de piano tentasse, não consegui extrair todas as potencialidades do instrumento. Mas no seu caso ou, se for pai, no caso do seu filho, quem sabe? Eu acredito que quem se esforçar o suficiente e tiver o mínimo de talento, pode um dia vir a tocar no Auditório Gulbenkian ou no Atrium Saldanha.

(http://lifestyle.publico.pt/pontalingua/335434_aprender-um-instrumento)

Um nome internacional

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Nestes tempos globalizados e em que as nossas exportações batem recordes,  nomeadamente a exportação de gente – ainda no outro dia ouvi na rádio “as exportações subiram 4,6% este trimestre, fortemente impulsionadas pelos combustíveis e pela exportação de Paulos e Anas Cristinas” –, percebe-se que as pessoas queiram dar aos seus rebentos um nome internacional, uma tendência com cada vez mais adeptos.

 

Mas o que é isso afinal de um nome internacional?

 

Aparentemente é algo que permita ter um endereço de e-mail escorreito, para que não se dê o insuportável ridículo de escrever “goncalo” ou “joao”, por exemplo, e que o estrangeiro consiga pronunciar sem embaraços, excessos de cuspe ou aneurismas cerebrais. Não convém por exemplo obrigar o pobre do estrangeiro a dizer “gontzalo” ou “joauuuu”, como se fosse uma cadela com o cio.

 

Ao que consta, os potenciadores de cio e aneurismas são nomes rebuscados, que têm cedilhas e acentos extraterrestres, como o til, ou mesmo acentos em geral, e nomes caracteristicamente portugueses, como Vasco, esse nome tão complexo. Não olhem para mim, não fui eu que inventei. Há mesmo quem ache Vasco proibitivo, por excesso de portugalidade.

 

Se calhar o facto de ter mais de uma sílaba também não ajuda. Convém também que seja um nome reconhecido no mundo anglo-saxónico, esse farol da humanidade, por isso, se estava a pensar chamar Adosinda à sua filha, esqueça, não se esperam muitas Adosindas no próximo censo de recém-nascidos dos Estados Unidos.

 

Em suma, se no caso dos rapazes os alvos a abater são os Joões, os Simãos ou os Amândios, no caso das raparigas esqueça as Inêses, as Assunções ou as Vicências, o que está a dar são nomes versáteis, universais, de típica adolescente americana parveca, como Melissa, Samanta, Abigail. Por isso, não estranhe se daqui a uma geração tivermos uma escritora Samanta de Mello Breyner ou a ministra Melissa Ferreira Leite.

 

Mas eu até acho bem que as pessoas se preocupem com estas questões internacionais. Aliás, se é para facilitar a vida à pequenada, uma vez que o mundo é tão grande, porque não definir logo no nome da criança o país de destino de emigração? Por exemplo, se eu quisesse que o meu filho emigrasse para o Brasil, o importante não era o nome, era um apelido sonante. Chamava-lhe Camargo, que soa a gente que nasce logo a saber fazer cimento. E se quisesse que a minha filha emigrasse para a Coreia do Sul chamava-lhe Maria do Ampark, para lhe dar um toque luso-coreano. Ou então, se quiser realmente adaptar o nome ao país de destino, chamo ao meu filho Bruno e mando-o para o Brunei.

 

A chatice é quando se dá um nome internacional ao filho e depois ele nunca sai de Carnaxide. “O que estás aí a fazer no sofá? Vai mas é estudar, que não te dei um nome internacional para passares a vida enfiado em Carnaxide.” Um tipo quase se sente obrigado a ir para Oxford. “Eu queria ir para o politécnico da Guarda, mas a minha mãe tanto me chateou que acabei por ir para Oxford.”

 

A verdade é que ainda sonho com o dia em que Portugal seja um grande exportador de nomes. E não é de nomes pipis como Matilde ou Lourenço. Não! Nomes à séria, antigos e de personalidade vincada, como Amândio, Acácio, Onofre, Cesaltina, Quitéria. De modo a que possamos ouvir falar do grande realizador Amândio Spielberg ou da Princesa Quitéria do Mónaco.

(http://lifestyle.publico.pt/vidaemgrandeestilo/335731_um-nome-internacional)

Uma criança precisa de dois pais

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Diz-se muito por aí que uma criança precisa de dois pais. Então e duas crianças, de quantos pais precisam? É que dois pais para duas crianças parece um conjunto harmonioso, o arranjo perfeito, mas é um combate desigual. Porque as crianças são micro-criaturas, mas têm uma energia exponencialmente maior que a dos adultos. Nem tem comparação. As crianças têm uma concentração energética comparável a um átomo de urânio.

 

Aliás, as centrais nucleares deviam ser alimentadas a crianças. Se se pusessem crianças a chocar umas contra as outras – bem sei que não é muito pedagógico –, mas se fosse possível tenho a certeza que se produzia muito mais energia do que nas centrais nucleares convencionais. Como um bom físico nuclear explicaria:

- Ora bem, o processo passa por colocar uma data de crianças num espaço muito reduzido e esperar que elas choquem umas com as outras. O que não é difícil. Cá está! O Joãozinho chocou de frente com a Madalena e produziu-se uma libertação energética equivalente a 5 x 1011 kJ, o suficiente para abastecer cerca de 50.000 lares portugueses durante um ano.

- Mas elas não se magoam?

- É incrível, mas nem por isso. E os ganhos energéticos são muito significativos.

 

Explora-se a energia das ondas, a energia eólica, falta a energia das crianças. Para quando um automóvel movido a crianças? E se as crianças são átomos de urânio, os adultos são átomos de merda. Já não há lá energia nenhuma para espremer. O que há é uma amálgama calórica que se vai desfazendo aos poucos até à podridão final.

 

Portanto, quando se diz que uma criança precisa de dois pais, não é bem essa a formulação correcta. Uma criança precisa, no mínimo, de dois pais. Porque por vezes é preciso reforços. Tal como os forcados, às vezes é preciso mais um para domar o animal. Há crianças que precisam de 5 pais e um rabejador. Devia haver uma comissão de avaliação que decidisse quantos pais deveria ter uma criança. Sentenciaria: “O Luisinho, que é um átomo de urânio-235, precisa de 3 pais nos dias normais e de 7 nos dias em que parece que engoliu meio quilo de vespas.”

 

A teoria das famílias numerosas está completamente invertida. Uma família não devia ser numerosa por ter muitos filhos, mas por ter muitos pais. Comprava-se um carro de família, não para pôr as cadeirinhas das crianças, mas para pôr os pais todos lá dentro. “Vá, toca a entrar. Ora bem, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete. Estão todos?” “Não, falta o André.” “Ah, é verdade, falta a criança.”

 

O que dizer então dos pais e mães solteiras. São autênticos super-heróis, seres sobre-humanos. Os pais e mães solteiras competentes deviam ser beatificados. Deviam ter direito a um mausoléu imediato. A ser agraciados com a Ordem do Peixe Espada ou lá o que é. Acho que seria da mais elementar justiça ouvir o seguinte nas notícias do Vaticano: “O papa beatificou hoje os três pastorinhos, uma freira francesa e duas mães solteiras.”

 

E agora devia terminar com qualquer coisa redentora, dizendo que apesar de tudo vale a pena ter dois filhos. Mas a única coisa que me ocorre é a seguinte pergunta: Para quando a adopção de pais? É que eu talvez precise de uma meia dúzia.

(https://www.publico.pt/2014/05/13/p3/cronica/uma-crianca-precisa-de-dois-pais-no-minimo)

Notícias que surpreendem

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Há notícias que se repetem ciclicamente e que não deixam de me surpreender. Por exemplo: "explosão em fábrica de pirotecnia” ou “morreu homem mais velho do mundo/mulher mais velha do mundo”.

Estas duas notícias são particularmente populares e eu acho que esta malta das notícias sonha secretamente com a notícia perfeita, uma espécie de fórmula alquímica noticiosa, que seria qualquer coisa como: “Homem mais velho do mundo explode em fábrica de pirotecnia.” Assim juntava-se o útil ao agradável.

 

O que acho mais surpreendente nas notícias do homem ou da mulher mais velha do mundo é que ficamos genuinamente espantados com a morte destas pessoas.

Porque, geralmente, a primeira notícia que surge não é a da morte, é a que dá conta que “mulher mais velha do mundo vive no Japão e tem 120 anos”. E pensamos “esta mulher resiste a tudo. É imparável.” Mas eis que logo a seguir ela morre e ficamos “Como é que é possível? Ainda agora tinha 120 anos e já morreu?”

Eu pelo menos fico sempre com uma certa sensação de frustração. Como se de repente 120 anos não fosse muito. “O quê, só 120 anos? Podia ter dado mais um bocadinho. Quem faz 120, faz 130. Estes japoneses são uma treta.”

O que exigimos no fundo deste pessoal longevo é o recorde. No mínimo. Achamos que se a pessoa bateu o recorde de idade, muito bem, cumpriu a sua missão. Morreu bem. Se não bateu, então porque raio morreu tão tarde? Não serviu de nada tanta decrepitude. Aliás, é por isso que não percebo o porquê de tantas notícias sobre a morte de uma pessoa centenária, porque no fundo o que queremos ouvir é: “Chinoca bate recorde de idade!” Com ponto de exclamação a condizer. E pronto. Mais nada. Até pode ser a pessoa mais velha do mundo no momento, mas se não bateu recordes, não interessa. O que pretendemos secretamente é que isto funcione como uma espécie de modalidade olímpica. Por exemplo, se o título da notícia for “Morreu homem belga de 116 anos”, sem mais, a informação não vale a pena. Mas se for “Homem belga bate recorde europeu de idade”, então já temos notícia. Porque já temos recorde. É nesta perspectiva que as notícias devem ser dadas. Ok, pessoal do jornalismo? Numa perspectiva competitiva, desportiva. Dá logo outro sal à coisa. Dou mais uns exemplos de bons títulos, para ver se isto fica assimilado: “Batido recorde europeu de idade em pista coberta”, porque há sempre aquelas pessoas que morrem de ataque cardíaco a ver desporto. Mesmo que seja só com 83 anos, se for recorde de pista coberta, já serve. “Matusalém acusado de doping”, etc. Percebido?

 

Quanto à pirotecnia o que me surpreende é que ainda haja fábricas de foguetes. Penso: “Mas ainda há disto? E explodem?” Parece uma piada de mau gosto. Ou melhor, o que realmente surpreende é que haja fábricas de foguetes em tal monta, que dê para tantas explodirem. Em todo o caso, o que peço aos jornalistas é que não cessem de me surpreender. Porque é de notícias deste calibre que precisamos para manter a pestana aberta na viagem de comboio matutina.

(https://www.publico.pt/2014/05/05/p3/cronica/noticias-que-surpreendem-1819989)

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